Framing Britney e a falta de responsabilização

O documentário Framing Britney traz um retrato doloroso e real do que é a indústria do entretenimento, principalmente para mulheres.

Ela começou muito cedo, em um mercado quase que exclusivamente masculino e ninguém parecia preparado para lidar com a explosão de Britney Spears. Jamie, o pai, só queria saber quando o dinheiro que ele “gastou” voltaria para o seu bolso, e as outras pessoas, que pareciam ser importar com a artista, estavam tentando fazer tudo ser mais tranquilo. Perguntas de teor misógino, como “você ainda é virgem” eram feitas para uma menor de idade em rede nacional, assim como seus seios eram assuntos. O namoro que ela teve com Justin Timberlake virou um show de horrores, e criou uma narrativa onde Britney era a vilã vagabunda que partiu o coração do príncipe encantado. Porém de príncipe, ele não tinha nada. Nadou confortavelmente nessa história, se aproveitou da cultura machista que o cerca e usou isso em clipes, músicas e até muito recentemente, para se elevar como artista. Justin Timberlake não perdeu tempo para chamar Britney direta ou indiretamente de traidora, vadia, de sexualizá-la para uma imprensa que já fazia isso desde sua infância. E não só com ela, mas Janet Jackson também.

E aí, quando a merda é jogada no ventilador, vem com um pedido de desculpas que provavelmente nem por ele foi escrito, porque era conveniente para limpar a imagem que ele mesmo sujou ao trair a esposa. Não, Justin, nós não desculpamos você. Seja medíocre bem longe daqui. Você se aproveitou conscientemente de toda a narrativa negativa sobre Britney. Essa sua “responsabilização” é marketing e todo mundo consegue ver isso. Tá fazendo aula com a Família Real, meu caro?

Vamos falar sobre a imprensa. 

Britney foi perseguida por paparazzi desde sempre. De início, era uma relação que não dá para chamar de saudável, mas ainda não era completamente problemática. Ao ponto que Britney até sorria, acenava, e conversava com os paparazzi. Mas depois do estouro com Justin Timberlake, o casamento com Kevin e seu primeiro filho, as coisas começaram a tomar proporções que beiravam a insanidade – e não era da parte de Britney.

Mais de 50 fotógrafos em cima dela, onde ela mal tinha espaço para respirar num caminho curto de uma porta a outra. Em uma dessas ocasiões, ela estava com uma criança no colo, perseguida por paparazzi, entra num café e pede ajuda até que os fotógrafos vão embora. Além de não a ajudarem, ficaram rindo de Britney. E enquanto isso, os fotógrafos faziam suas imagens que poderiam valer até 1 milhão de dólares.

Um desses inúmeros paparazzi que a seguiam é questionado no documentário sobre deixá-la em paz. Principalmente depois que ela teve uma crise, em um dia muito ruim. E esse fotógrafo sabia disso, ele narra toda a história no documentário. Britney queria ver os filhos cuja guarda ela perdeu pela narrativa de “mãe irresponsável” e foi recusada, não uma, mas duas vezes. A pessoa que estava com Britney no dia implorou que a deixassem quieta. Não respeitaram. Mesmo sabendo o dia terrível que ela tinha acabado de passar. Eles cutucaram e a situação em que ela bate com um guarda-chuva no carro do fotógrafo foi criada. Sabe como o paparazzi termina? “A situação foi horrível, foi um dia péssimo para Britney, mas eu consegui a melhor foto.”

Logo em seguida perguntam, ele sabendo de tudo isso, acreditava existir uma relação entre a mídia e a situação de Britney? A resposta demonstra a falta de sensibilidade e de falta de auto responsabilização: “Ela nunca demonstrou incômodo, nunca deu sinal de que era ruim.” Mais uma pergunta: “Mas e quando ela pedia para que vocês a deixassem em paz?” A resposta: “Ela pedia por um dia, nunca para sempre.”

Por que nós, como seres humanos, temos essa mania que nunca nos responsabilizar por absolutamente nada? Principalmente, quando nossa parte no problema é imensa. Eu vi isso com Britney, vejo constantemente com a Meghan. Joga-se a culpa na vítima, e assim a consciência fica mais tranquila. Assim, não existe conivência, nem se é parte do problema. Tudo vem de fora, está além de nós, fazer algo para melhorar a situação. Isso não é só para celebridades, mas no nosso dia a dia, com nossa sociedade. Quantas vezes ignoramos nossa culpa em um problema?

Britney era uma mulher independente, e a sua persona refletia isso, e ela saía de um lugar de medo por parte da própria. Ela perdeu o controle da própria vida em níveis que deixa compreensível todos os momentos horríveis que ela acabou tendo na frente das câmeras – que sempre estavam lá. As pessoas viam uma louca enquanto precisavam ver uma mulher que precisava de ajuda para se reerguer, uma mulher com medo, desamparada. Mas era mais fácil deixar para lá e fazer piadas, culpá-la por tudo, chamá-la de insana, mãe irresponsável, tirar fotos dela em prantos que renderiam milhares de dólares.

Quando eu digo a eles como eu me sinto, eles ouvem, mas não estão realmente me escutando.

E todos tem culpa, a única que não tem culpa aqui é Britney. Ela tentou e ainda tenta. Mas ela é a mais apontada como culpada. Interessante né?

A persona, a artista, a celebridade não apaga o ser humano que está ali por baixo do glamour, dinheiro e fama. Se alguém precisa implorar para que você veja a humanidade dela, então o problema está em você. 

Não faça parte. Não minimize pessoas a momentos terríveis, muito menos favoreça os ambientes para que esses momentos sejam os “normais” na vida. Ninguém deveria precisar defender tanto o direito de ser. 

Jamie Spears, você é um ser humano terrível.


A ideia que as pessoas viam isso [Britney careca, gritando com a imprensa] e eles só enxergam uma pessoa louca? Isso me mostra a sociedade predatória em que ela trabalha para começo de conversa.

Ana Gabriela

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